segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Os 4 maiores desafios ambientais do Espírito Santo. Por que não são resolvidos? Especialistas apontam soluções




Publicado em 04/06/2017 às 08h40
Atualizado em 04/06/2017 às 12h00
Foto: Marcelo Prest

Às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, quem vive no Espírito Santo ainda busca motivos para comemorar a data em meio a um cenário desanimador: ao mesmo tempo em que a poeira preta continua a invadir casas, moradores ainda aguardam pela chegada do saneamento básico, enfrentam a incerteza quanto a um futuro com cada vez menos água, e ainda lidam com tragédias como a da lama no Rio Doce.
No rastro de degradação deixado pelos problemas ambientais, que há anos se arrastam, fica para trás, também, a qualidade de vida da população.
Nos últimos anos os capixabas vêm aprendendo, na prática, a enxergar a água como um recurso esgotável. Mas a crise hídrica, que no final de 2016 resultou em um período de racionamento no Estado, tem suas raízes em décadas de exploração do solo e das matas.
Segundo Luiz Fernando Schettino, professor de Ecologia e Recursos Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o problema surgiu entre as décadas de 1960 e 1970, quando o cultivo do café em larga escala não só levou ao desmatamento de grandes áreas, como também ao empobrecimento do solo devido às técnicas aplicadas. Quando a fertilidade se esgotava, o que antes era área de plantio transformava-se em pasto para animais.
“Com isso geramos cerca de 600 mil hectares de terra degradada e mal utilizada. No solo degradado, a água não se infiltra e vai embora, não abastecendo os lençóis freáticos”, explica.
Para Luiz Fernando a crise só poderá ser contornada com investimentos massivos, envolvendo todos os setores da sociedade. O professor ressalta a importância dos projetos de recuperação ambiental do governo estadual - a exemplo do Reflorestar -, cujo objetivo é plantar árvores em 80 mil hectares até 2020, mas ressalta que as metas precisam ser mais ambiciosas, chegando aos 200 mil hectares.
Demorou para se pensar na crise hídrica como prioridade. Temos que envolver comunidades, igrejas, empresas, municípios.
LUIZ FERNANDO SCHETTINO

“A construção de barragens é importante para ganhar tempo até que a cobertura florestal seja feita. Mas também é preciso mais fiscalização e conscientização para impedir construções na beira dos rios, a utilização de técnicas de irrigação inadequadas, a construção de estradas que levam toneladas de terra para os rios. É preciso dizer não a uma série de atividades”, argumenta.
Do mesmo modo, o professor ressalta a importância da participação dos centros urbanos na redução do consumo, bem como a necessidade de investimentos por parte das indústrias em técnicas como o reúso e a captação da água das chuvas.
Para além da escassez, outra preocupação é com a qualidade da água, afetada pelo despejo irregular de esgoto. Um relatório da Prefeitura de Vitória feito no ano passado constatou que 123 milhões de litros de dejetos são lançados diariamente em sua baía, vindos também de cidades vizinhas.
Para especialistas, a solução do problema parte da universalização do sistema de coleta e tratamento de esgoto, que ainda não aconteceu. Mesmo em cidades da Grande Vitória, como Cariacica, a cobertura não alcança 50% dos moradores, enquanto que em alguns locais do interior o sistema não existe. Assim, quando o esgoto não é levado para as fossas, contaminando todo o solo, ele é lançado diretamente nos rios e no mar, provocando a poluição orgânica, química e biológica, devido à presença de micro-organismos causadores de doenças.
Muitas vezes não há nem coleta de esgoto, muito menos tratamento. A consequência é o lançamento do esgoto no ambiente.
SÉRVIO TÚLIO CASSINI

O engenheiro civil e sanitarista Ricardo Franci afirma que modelo de saneamento básico adotado pelo Brasil na década de 1970, que deu origem às empresas concessionárias nos Estados, se mostrou ineficiente por motivos que vão desde problemas técnicos até os de gestão e de corrupção. Ele acredita que a solução do impasse pode vir das parcerias público-privadas – a exemplo das que têm sido elaboradas pela Cesan para expandir o sistema de esgoto em Vila Velha e na Serra - desde que bem controladas.
Pouca produção. Com a seca que atingiu Rio Bananal, no Norte do Estado, há três anos, Vitor Capelin, 54, viu sua produção de café cair de 230 para 100 sacas de café ao ano.
Pouca produção. Com a seca que atingiu Rio Bananal, no Norte do Estado, há três anos, Vitor Capelin, 54, viu sua produção de café cair de 230 para 100 sacas de café ao ano.
Foto: Ricardo Meideiros

Por outro lado, o professor de Engenharia Ambiental, Sérvio Túlio Cassini, lembra que os altos custos do processo de tratamento da água residuária dificultam a ampliação do sistema. “Hoje já possuímos tecnologias que requerem gastos menores de energia. Na Ufes, desenvolvemos um sistema que gera energia a partir do próprio tratamento. É preciso investir nisso.”
Mau cheiro. Em Jardim Botânico, Cariacica, Claudomiro e Gelsiane reclamam do mau cheiro do esgoto que cai no Rio Marinho. “A estação de tratamento está abandonada.”
Mau cheiro. Em Jardim Botânico, Cariacica, Claudomiro e Gelsiane reclamam do mau cheiro do esgoto que cai no Rio Marinho. “A estação de tratamento está abandonada.”
Foto: Ricardo Medeiros

POLUIÇÃO DO AR INCOMODA HÁ DÉCADAS A VIDA DOS MORADORES

Na casa de Antônio Nascimento, em Jardim Camburi, Vitória, a limpeza diária não é opção, mas sim necessidade. O motivo é o conhecido pó preto, que se espalha pelo ar. “Meu filho é alérgico, vive tomando remédios. Continuo aqui porque construí o prédio, senão já teria ido embora”, lamenta o aposentado, de 61 anos.
Volta e meia, a discussão em torno da origem e dos males da poeira sedimentada é colocada em cheque. Ainda assim, os anos passam e o incômodo permanece o mesmo, especialmente em períodos mais secos.
Morador de Jardim Camburi,  Antônio Nascimento mostra as mãos sujas com o pó preto em sua casa
Morador de Jardim Camburi, Antônio Nascimento mostra as mãos sujas com o pó preto em sua casa
Foto: Carlos Alberto Silva

Conforme explica o professor de Ecologia e Recursos Naturais da Ufes Luiz Fernando Schettino o aumento da presença do pó preto é proporcional ao crescimento da construção civil e das atividades das empresas mineradoras e siderúrgicas do Complexo de Tubarão. No entanto, a questão se torna mais desafiadora devido ao grande aumento da frota de veículos, que levanta as partículas de poeira acumulada no asfalto.
“Ainda falta clareza. Precisamos saber qual a parcela de culpa de cada segmento envolvido para que se exija mais responsabilidades. Um estudo para analisar esse perfil ainda não foi feito, mas é fundamental”, defende.
PLANEJAMENTO

A melhora gradativa da situação ao longo dos próximos anos depende, segundo Luiz Fernando, de um planejamento em larga escala, que leve em conta a possibilidade de limitação do crescimento das empresas, visando à melhoria das condições de vida e do ambiente.
“Já ampliamos muito a capacidade das empresas, mas os equipamentos de proteção não conseguem dar conta dessa expansão. Então, além de se exigir mais rigor para a atualização das tecnologias, é preciso estabelecer limites. Caso a opção seja pela qualidade de vida e pela exploração do potencial turístico das cidades, há que se pensar ainda em prazos para que as atividades sejam deslocadas para outros locais, como fizeram alguns países da Europa e o Japão”, sugere o especialista.
A nova perspectiva envolve também uma visão global da cadeia de poluição. Por isso, o professor afirma que o próprio modelo das licenças ambientais deveria ser mudado, considerando não apenas o impacto ambiental causado pela empresa solicitante, mas sim os danos gerados em toda a região pela soma das atividades nela existentes. “Falta não só mais rigor, mas também mecanismos de informação para que a população acompanhe o que está acontecendo. É uma forma até de os órgãos públicos se precaverem”, salienta Luiz Fernando.
ANÁLISE
Luisa Cortat Coordenadora de Extensão e de Relações Internacionais da FDV

Luisa Cortat Coordenadora de Extensão e de Relações Internacionais da FDV
Foto: Divulgação

De modo geral, as políticas públicas da gestão ambiental não são eficientes em nível local, regional, nacional ou internacional. Isso pode ser explicado por dificuldades da gestão como um todo, mas há também muita dificuldade com a lógica da gestão ambiental, que envolve causas e consequências que extrapolam fronteiras, responsabilidades nem sempre identificáveis e compartilhadas entre diferentes atores. Existe ainda a falsa crença de que condutas ambientalmente adequadas são mais custosas e incompatíveis com preocupações sociais, sobretudo, econômicas.
Por isso, parte da solução passa por compreender que as preocupações econômicas e sociais apenas serão satisfatoriamente endereçadas quando aliadas às preocupações ambientais, evitando que pressões puramente econômicas impeçam os avanços na proteção ambiental.
Vários outros aspectos merecem atenção, como a necessidade de tirar da periferia da gestão os órgãos ambientais, de cobrar o papel das empresas e da sociedade civil, de alterar a dinâmica das obrigações e das interações dos diferentes órgãos de governo, de valorar os bens ambientais, de trazer à luz as obrigações intergeracionais.
GOVERNO GARANTE NOVOS INVESTIMENTOS
Com iniciativas que vão desde a elaboração de novos projetos até fiscalizações mais rigorosas, representantes do governo estadual prometem trabalhar para reduzir os danos ambientais.
Com relação à crise da água, o secretário de Estado de Meio Ambiente, Aladim Cerqueira, destaca a antecipação de projetos para a garantia de segurança hídrica (como a captação de água do rio Reis Magos e a construção de uma barragem do Rio Jucu), além dos programas de reflorestamento.
Quanto ao pó preto, governo, Ministério Público Estadual e Federal elaboram juntos um termo de compromisso para as empresas do Complexo de Tubarão. A renovação das licenças da Vale e da ArcelorMittal está em andamento e uma empresa de fora do Estado está sendo contratada para auditar as fontes de emissão.
Já em relação ao esgoto sanitário, o diretor da Cesan, Pablo Andreão, ressalta que dos 52 municípios administrados pela Companhia, 24 receberão novos investimentos nos próximos anos. Serão destinados ao interior R$ 70 milhões e R$ 93 milhões para a Grande Vitória.
Ele destaca a criação de parcerias público-privadas para ampliar a cobertura da rede a 98% na Serra e em Vila Velha até 2023 e 2028, respectivamente.
Já o Programa de Gestão Integrada das Águas e da Paisagem (cujo investimento é de R$ 1,2 bilhão em cinco anos) levará infraestrutura hídrica às cidades da região do Caparaó.
ESGOTO

Problemas

O modelo de saneamento adotado no Brasil, que criou companhias de saneamento no Estado se mostrou ineficaz por motivos que vão desde problemas técnicos até falhas de gestão. A utilização de tecnologias antigas e caras impede a expansão da rede de coleta e tratamento.
Solução

- Apostar em tecnologias mais novas, que reduzem o consumo de energia para o tratamento da água.
- Investir em parcerias público-privadas para expandir a rede, desde que com controle.
CRISE HÍDRICA

Problemas

Anos de exploração levaram ao desmatamento e ao desabastecimento de lençóis freáticos.
O consumo desenfreado da água também contribui.
 Solução

- Metas mais ambiciosas de reflorestamento.
- Redução do consumo.
- Adoção de técnicas no meio rural e industrial que requeiram menos água.
PÓ PRETO

Problemas

- Expansão das atividades de indústrias siderúrgicas e mineradoras, da construção civil e da frota de veículos
- Equipamentos de proteção ambiental não conseguem acompanhar a expansão dos negócios.
Solução

- Planejar o futuro das cidades. Optar pela exploração do turismo e melhoria da qualidade de vida das pessoas implicaria em medidas como a paralisação da expansão das indústrias e até o estabelecimento de prazos para que as atividades sejam deslocadas para outros locais.
- Investir em estudos que apontem a parcela de culpa de cada setor envolvido. Luiz Fernando defende que as próprias licenças ambientais sejam concedidas não com base apenas na empresa solicitante, mas em todas as atividades existentes nas regiões para que o impacto global seja avaliado.
O quarto desafio é a destruição no Rio Doce após receber milhões de litros de rejeitos de minério da Samarco



 Fonte:
https://www.gazetaonline.com.br/noticias/cidades/2017/06/os-4-maiores-desafios-ambientais-do-espirito-santo-1014062393.html

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