Publicado em 04/06/2017 às 08h40
Atualizado em 04/06/2017 às 12h00
Foto: Marcelo Prest
Às
vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, quem vive no Espírito Santo ainda
busca motivos para comemorar a data em meio a um cenário desanimador: ao mesmo
tempo em que a poeira preta continua a invadir casas, moradores ainda aguardam
pela chegada do saneamento básico, enfrentam a incerteza quanto a um futuro com
cada vez menos água, e ainda lidam com tragédias como a da lama no Rio Doce.
No rastro
de degradação deixado pelos problemas ambientais, que há anos se arrastam, fica
para trás, também, a qualidade de vida da população.
Nos
últimos anos os capixabas vêm aprendendo, na prática, a enxergar a água como um
recurso esgotável. Mas a crise hídrica, que no final de 2016 resultou em um
período de racionamento no Estado, tem suas raízes em décadas de exploração do
solo e das matas.
Segundo
Luiz Fernando Schettino, professor de Ecologia e Recursos Naturais da
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o problema surgiu entre as
décadas de 1960 e 1970, quando o cultivo do café em larga escala não só levou
ao desmatamento de grandes áreas, como também ao empobrecimento do solo devido
às técnicas aplicadas. Quando a fertilidade se esgotava, o que antes era área
de plantio transformava-se em pasto para animais.
“Com isso
geramos cerca de 600 mil hectares de terra degradada e mal utilizada. No solo
degradado, a água não se infiltra e vai embora, não abastecendo os lençóis
freáticos”, explica.
Para Luiz
Fernando a crise só poderá ser contornada com investimentos massivos,
envolvendo todos os setores da sociedade. O professor ressalta a importância
dos projetos de recuperação ambiental do governo estadual - a exemplo do
Reflorestar -, cujo objetivo é plantar árvores em 80 mil hectares até 2020, mas
ressalta que as metas precisam ser mais ambiciosas, chegando aos 200 mil
hectares.
Demorou para
se pensar na crise hídrica como prioridade. Temos que envolver comunidades,
igrejas, empresas, municípios.
LUIZ FERNANDO
SCHETTINO
“A
construção de barragens é importante para ganhar tempo até que a cobertura
florestal seja feita. Mas também é preciso mais fiscalização e conscientização
para impedir construções na beira dos rios, a utilização de técnicas de
irrigação inadequadas, a construção de estradas que levam toneladas de terra
para os rios. É preciso dizer não a uma série de atividades”, argumenta.
Do mesmo
modo, o professor ressalta a importância da participação dos centros urbanos na
redução do consumo, bem como a necessidade de investimentos por parte das
indústrias em técnicas como o reúso e a captação da água das chuvas.
Para além
da escassez, outra preocupação é com a qualidade da água, afetada pelo despejo
irregular de esgoto. Um relatório da Prefeitura de Vitória feito no ano passado
constatou que 123 milhões de litros de dejetos são lançados diariamente em sua
baía, vindos também de cidades vizinhas.
Para
especialistas, a solução do problema parte da universalização do sistema de
coleta e tratamento de esgoto, que ainda não aconteceu. Mesmo em cidades da
Grande Vitória, como Cariacica, a cobertura não alcança 50% dos moradores,
enquanto que em alguns locais do interior o sistema não existe. Assim, quando o
esgoto não é levado para as fossas, contaminando todo o solo, ele é lançado
diretamente nos rios e no mar, provocando a poluição orgânica, química e
biológica, devido à presença de micro-organismos causadores de doenças.
Muitas vezes
não há nem coleta de esgoto, muito menos tratamento. A consequência é o
lançamento do esgoto no ambiente.
SÉRVIO TÚLIO
CASSINI
O
engenheiro civil e sanitarista Ricardo Franci afirma que modelo de saneamento
básico adotado pelo Brasil na década de 1970, que deu origem às empresas
concessionárias nos Estados, se mostrou ineficiente por motivos que vão desde
problemas técnicos até os de gestão e de corrupção. Ele acredita que a solução
do impasse pode vir das parcerias público-privadas – a exemplo das que têm sido
elaboradas pela Cesan para expandir o sistema de esgoto em Vila Velha e na
Serra - desde que bem controladas.

Pouca produção. Com a seca que atingiu Rio Bananal,
no Norte do Estado, há três anos, Vitor Capelin, 54, viu sua produção de café
cair de 230 para 100 sacas de café ao ano.
Foto: Ricardo
Meideiros
Por outro
lado, o professor de Engenharia Ambiental, Sérvio Túlio Cassini, lembra que os
altos custos do processo de tratamento da água residuária dificultam a
ampliação do sistema. “Hoje já possuímos tecnologias que requerem gastos
menores de energia. Na Ufes, desenvolvemos um sistema que gera energia a partir
do próprio tratamento. É preciso investir nisso.”
Mau cheiro. Em Jardim Botânico, Cariacica,
Claudomiro e Gelsiane reclamam do mau cheiro do esgoto que cai no Rio Marinho.
“A estação de tratamento está abandonada.”
Foto: Ricardo
Medeiros
POLUIÇÃO DO AR INCOMODA HÁ DÉCADAS A VIDA DOS
MORADORES
Na casa
de Antônio Nascimento, em Jardim Camburi, Vitória, a limpeza diária não é
opção, mas sim necessidade. O motivo é o conhecido pó preto, que se espalha
pelo ar. “Meu filho é alérgico, vive tomando remédios. Continuo aqui porque
construí o prédio, senão já teria ido embora”, lamenta o aposentado, de 61
anos.
Volta e
meia, a discussão em torno da origem e dos males da poeira sedimentada é
colocada em cheque. Ainda assim, os anos passam e o incômodo permanece o mesmo,
especialmente em períodos mais secos.
Morador de Jardim Camburi, Antônio Nascimento
mostra as mãos sujas com o pó preto em sua casa
Foto: Carlos Alberto
Silva
Conforme
explica o professor de Ecologia e Recursos Naturais da Ufes Luiz Fernando
Schettino o aumento da presença do pó preto é proporcional ao crescimento da
construção civil e das atividades das empresas mineradoras e siderúrgicas do
Complexo de Tubarão. No entanto, a questão se torna mais desafiadora devido ao
grande aumento da frota de veículos, que levanta as partículas de poeira
acumulada no asfalto.
“Ainda
falta clareza. Precisamos saber qual a parcela de culpa de cada segmento
envolvido para que se exija mais responsabilidades. Um estudo para analisar
esse perfil ainda não foi feito, mas é fundamental”, defende.
PLANEJAMENTO
A melhora
gradativa da situação ao longo dos próximos anos depende, segundo Luiz
Fernando, de um planejamento em larga escala, que leve em conta a possibilidade
de limitação do crescimento das empresas, visando à melhoria das condições de
vida e do ambiente.
“Já
ampliamos muito a capacidade das empresas, mas os equipamentos de proteção não
conseguem dar conta dessa expansão. Então, além de se exigir mais rigor para a
atualização das tecnologias, é preciso estabelecer limites. Caso a opção seja
pela qualidade de vida e pela exploração do potencial turístico das cidades, há
que se pensar ainda em prazos para que as atividades sejam deslocadas para
outros locais, como fizeram alguns países da Europa e o Japão”, sugere o
especialista.
A nova
perspectiva envolve também uma visão global da cadeia de poluição. Por isso, o
professor afirma que o próprio modelo das licenças ambientais deveria ser
mudado, considerando não apenas o impacto ambiental causado pela empresa
solicitante, mas sim os danos gerados em toda a região pela soma das atividades
nela existentes. “Falta não só mais rigor, mas também mecanismos de informação
para que a população acompanhe o que está acontecendo. É uma forma até de os
órgãos públicos se precaverem”, salienta Luiz Fernando.
ANÁLISE
Luisa Cortat Coordenadora de Extensão e de Relações
Internacionais da FDV
Foto: Divulgação
De modo
geral, as políticas públicas da gestão ambiental não são eficientes em nível
local, regional, nacional ou internacional. Isso pode ser explicado por
dificuldades da gestão como um todo, mas há também muita dificuldade com a
lógica da gestão ambiental, que envolve causas e consequências que extrapolam
fronteiras, responsabilidades nem sempre identificáveis e compartilhadas entre
diferentes atores. Existe ainda a falsa crença de que condutas ambientalmente
adequadas são mais custosas e incompatíveis com preocupações sociais,
sobretudo, econômicas.
Por isso,
parte da solução passa por compreender que as preocupações econômicas e sociais
apenas serão satisfatoriamente endereçadas quando aliadas às preocupações
ambientais, evitando que pressões puramente econômicas impeçam os avanços na
proteção ambiental.
Vários
outros aspectos merecem atenção, como a necessidade de tirar da periferia da
gestão os órgãos ambientais, de cobrar o papel das empresas e da sociedade
civil, de alterar a dinâmica das obrigações e das interações dos diferentes
órgãos de governo, de valorar os bens ambientais, de trazer à luz as obrigações
intergeracionais.
GOVERNO GARANTE NOVOS INVESTIMENTOS
Com
iniciativas que vão desde a elaboração de novos projetos até fiscalizações mais
rigorosas, representantes do governo estadual prometem trabalhar para reduzir
os danos ambientais.
Com
relação à crise da água, o secretário de Estado de Meio Ambiente, Aladim
Cerqueira, destaca a antecipação de projetos para a garantia de segurança
hídrica (como a captação de água do rio Reis Magos e a construção de uma
barragem do Rio Jucu), além dos programas de reflorestamento.
Quanto ao
pó preto, governo, Ministério Público Estadual e Federal elaboram juntos um
termo de compromisso para as empresas do Complexo de Tubarão. A renovação das
licenças da Vale e da ArcelorMittal está em andamento e uma empresa de fora do
Estado está sendo contratada para auditar as fontes de emissão.
Já em
relação ao esgoto sanitário, o diretor da Cesan, Pablo Andreão, ressalta que
dos 52 municípios administrados pela Companhia, 24 receberão novos
investimentos nos próximos anos. Serão destinados ao interior R$ 70 milhões e
R$ 93 milhões para a Grande Vitória.
Ele
destaca a criação de parcerias público-privadas para ampliar a cobertura da
rede a 98% na Serra e em Vila Velha até 2023 e 2028, respectivamente.
Já o
Programa de Gestão Integrada das Águas e da Paisagem (cujo investimento é de R$
1,2 bilhão em cinco anos) levará infraestrutura hídrica às cidades da região do
Caparaó.
ESGOTO
Problemas
O modelo
de saneamento adotado no Brasil, que criou companhias de saneamento no Estado
se mostrou ineficaz por motivos que vão desde problemas técnicos até falhas de
gestão. A utilização de tecnologias antigas e caras impede a expansão da rede
de coleta e tratamento.
Solução
- Apostar
em tecnologias mais novas, que reduzem o consumo de energia para o tratamento
da água.
-
Investir em parcerias público-privadas para expandir a rede, desde que com
controle.
CRISE HÍDRICA
Problemas
Anos de
exploração levaram ao desmatamento e ao desabastecimento de lençóis freáticos.
O consumo
desenfreado da água também contribui.
Solução
- Metas
mais ambiciosas de reflorestamento.
- Redução
do consumo.
- Adoção
de técnicas no meio rural e industrial que requeiram menos água.
PÓ PRETO
Problemas
-
Expansão das atividades de indústrias siderúrgicas e mineradoras, da construção
civil e da frota de veículos
-
Equipamentos de proteção ambiental não conseguem acompanhar a expansão dos
negócios.
Solução
-
Planejar o futuro das cidades. Optar pela exploração do turismo e melhoria da
qualidade de vida das pessoas implicaria em medidas como a paralisação da
expansão das indústrias e até o estabelecimento de prazos para que as
atividades sejam deslocadas para outros locais.
-
Investir em estudos que apontem a parcela de culpa de cada setor envolvido.
Luiz Fernando defende que as próprias licenças ambientais sejam concedidas não
com base apenas na empresa solicitante, mas em todas as atividades existentes
nas regiões para que o impacto global seja avaliado.
O
quarto desafio é
a destruição no Rio Doce após receber milhões de litros de rejeitos de
minério da SamarcoFonte:
https://www.gazetaonline.com.br/noticias/cidades/2017/06/os-4-maiores-desafios-ambientais-do-espirito-santo-1014062393.html




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