quarta-feira, 30 de março de 2016

Explode o número de crimes ambientais - http://especiais.gazetaonline.com.br/guerrapelaagua/

Explode o número de crimes ambientais 

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Manhã de quarta-feira, 28 de outubro de 2015, Noroeste do Espírito Santo. Sob acusação de apropriação indevida da água, 18 produtores rurais de Águia Branca, Colatina e Barra de São Francisco têm seus nomes incluídos pela primeira vez numa ficha policial. É uma operação de rotina da Polícia Militar Ambiental (PMA), mas que mostra que, em todo o campo de batalhas hídricas capixaba, a falta de regras para regular a exploração dos mananciais tem promovido uma explosão de crimes ligados à água. Só a PMA registrou 620 ocorrências em 2015, um aumento de 418% em relação a 2014 – quando 148 pessoas foram autuadas.
Nos últimos três meses, A GAZETA mergulhou numa investigação para mostrar como a briga por rios e nascentes tem deixado profundas cicatrizes nas regiões urbanas e rurais do Estado. Apesar da Política Nacional de Recursos Hídricos garantir, em seu artigo 1º, que “a água é um bem de domínio público”, a reportagem flagrou um festival de barragens, poços e desvios de rios ilegais sendo construídos em plena luz do dia.
Rio Santa Joana foi envenenado em 2015. “Mas já tinha morrido há tempos”, diz Vicente
Muitos desses crimes colocam em confronto famílias e comunidades inteiras. De acordo com dados da Pastoral da Terra, que monitora de forma permanente os conflitos do campo em todo o país, cerca de mil famílias foram vítimas de briga por água no Estado, entre 2010 e 2014. A maior parte dos conflitos envolveu a destruição de rios e nascentes provocada por grandes propriedades de terra e plantas industriais. A entidade mapeou 17 situações de conflito em quatro anos, nas quais, muitas vezes, a maior arma de defesa das comunidades foram manifestações, com protestos e barricadas. Apenas em 2014, último ano em que o levantamento foi feito, 441 famílias entraram em confronto nos municípios de Conceição da Barra, Linhares e São Mateus.
Segundo dados da Polícia Ambiental levantados pela reportagem, em 12 meses, a construção de 382 poços e 150 barragens foram parar na Justiça. Quando o curso dos córregos e rios é interrompido, as propriedades seguintes ficam desabastecidas, já que a água represada deixa de correr. É aí que mora a maior parte das brigas, ameaças e sabotagens. A construção de uma dessas barragens resultou na morte de um produtor rural no interior de Nova Venécia, em outubro de 2015. Como não há uma política que estabeleça a quantidade de água que os agricultores podem retirar, cada palmo dos mananciais é disputado com truculência.
Em Itaguaçu, onde 32 situações de disputa foram registradas em 2015, a Polícia Civil investiga se o Rio Santa Joana foi envenenado de forma intencional. Em dezembro do ano passado, os 7 mil habitantes da cidade ficaram sem água nas torneiras por 8 dias, depois que peixes apareceram mortos e uma análise encontrou veneno na água. Uma das hipóteses é de crime de retaliação, já que, dias antes da contaminação, o uso do manancial para irrigação foi suspenso. “Gerou na cidade um entristecimento e uma revolta nas pessoas. Tivemos que pegar água em caminhões-pipa nos municípios vizinhos para entregar de porta em porta na casa das pessoas. Se foi proposital, é o fim dos tempos”, afirma o prefeito Darly Dettmann.

Passados mais de três meses da contaminação, as comunidades e vilas que margeiam o Santa Joana continuam reclamando que os peixes sumiram. “Ficou sem vida”, lamenta o tímido produtor aposentado, Vicente Dias dos Santos, de 75 anos. “Na última estiagem, o rio ficou quatro meses seco, só na areia”, completa ele, que mora num pequeno vilarejo localizado entre os municípios de Colatina e Itaguaçu.
“Quando passa uns dias sem chover, as irrigações secam toda a água e dá para andar de moto dentro. O coração chega doer”, diz Vicente.

Flagrantes da reportagem

Guerra pela Água II42
Superbombas que retiram água do rio Itauninhas para irrigação no município de Pinheiros
Guerra pela Água I30
Data: 21/01/2016 - ES - Pinheiros - Superespecial - Máquina aprofunda um tanque para armazenar mais água no município de Pinheiros - Editoria: Economia - Foto: Marcelo Prest - GZ
Máquina aprofunda um tanque para armazenar mais água no município de Pinheiros
O chefe do executivo em Itaguaçu admite que o volume de água disponível nos mananciais não é suficiente para abastecer o setor agrícola o ano inteiro. Por isso, Darly mandou construir 10 barragens, em 2015, e deu início à construção de mais 100 barragens, neste ano, para atender aos produtores rurais. “Quando começa a faltar água, o conflito é muito acentuado entre campo e cidade, porque temos que priorizar o consumo humano e proibir a captação agrícolas. Por isso, precisamos ter reservas para os períodos de seca”, defende.
"O pequeno produtor está sempre com dívida no banco. Água está valendo ouro”
Edgar Ferreira, produtor de Boa Esperança

Desespero para garantir a sobrevivência

Nos vilarejos, propriedades rurais e comunidades do interior do Espírito Santo é difícil encontrar uma faixa de terra que não tenha sido revirada em busca de água. Até mesmo técnicas de perfuração de poços de petróleo já são usadas para encontrar o líquido precioso em localidades remotas, nos remetendo a imagens de filmes de ficção científica. No desespero para pegar a maior porção possível de água, 30 mil poços clandestinos já foram escavados, quatro mil deles somente nos últimos dois anos. Outros seis mil poços artesianos – que retiram o recurso diretamente do subterrâneo – também foram perfurados sem licença. As estimativas são do Ministério Público e da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), que em janeiro deste ano baixou um decreto obrigando a legalização dos artesianos.
Para a promotora de Justiça Isabela de Deus Cordeiro, existe uma “clara omissão dos entes públicos” em relação à gestão dos recursos hídricos, o que levaria os agricultores a atuarem na clandestinidade. Como uma outorga (concessão de uso) leva até quatro anos para sair, restam duas saídas possíveis para o agricultor, e nas duas ele sai penalizado, diz ela: “Se, por medo, abre mão de usar o córrego, fica privado do acesso e não produz. Se ele tenta resolver o problema do jeito dele, sem estar amparado pelos acessos administrativos, fica sujeito a uma penalização civil, administrativa e até mesmo criminal”, pondera.
Nessa corrida silenciosa para construir cada vez mais buracos, talvez resida a maior evidência de uma “guerra da água” em curso. O agricultor e militante Clovis Conte justifica que o camponês vê a lavoura morrendo, entra em desespero e quer “cercar” a pouca água que resta nos córregos. “Aí começam as disputas. Um quer pegar mais que o outro porque ninguém quer perder o que plantou”, diz Clovis, morador da comunidade de Araras, no interior de São Gabriel da Palha, um dos focos de conflitos já mapeados.
Como não existe um plano para regular o uso do córrego que abastece as propriedades, cada uma das 100 famílias tenta criar suas próprias regras. “Desde agosto não corre água aqui. Para consumo, só se perfurar uns 15 metros. Isso tem gerado muita desunião e briga. Temos caso na região de um vizinho de terra que matou o outro”, diz Conte.
Os conflitos narrados pelo produtor são registrados nos boletins policiais. Só em 2015, a Polícia Militar Ambiental foi chamada 382 vezes para intervir em situações de disputa envolvendo a escavação irregular de poços. As brigas acontecem porque, quando poços ou barragens são construídos no curso hídrico, a água deixa de seguir seu fluxo normal e não chega às demais propriedades ou comunidades. Aos poucos, o ambiente rural passa a registrar conflitos típicos de países onde a água é extremamente escassa, como na Jordânia.
“Hoje, temos que irrigar arroz onde antes tinha brejo e lama. Toda a água de nossos mananciais tem sido usada para irrigar o café e o coco, produtos que são exportados. Daqui a pouco, vamos perfurar 80, 100 metros e não vamos encontrar água para beber”, argumenta, Clovis.
Nos municípios onde a oferta hídrica não tem sido suficiente para atender à crescente demanda, as disputas fazem dos mais pobres as principais vítimas. Os pequenos produtores não conseguem pagar pelas técnicas mais sofisticadas de perfuração de poços e acabam sujeitos ao que sobra de água. “Aquele que tem dinheiro opta, mesmo na clandestinidade, por dar solução ao seu problema. Aquele que não tem, fica resignado, evidenciando as desigualdades sociais. Mas em algum momento essas situações vão conflitar, porque todo mundo precisa da água”, reforça Isabela de Deus.
Desde os anos 2000, a Agência Nacional de Águas (ANA) monitora conflitos no Espírito Santo. De 2013 para cá, com a intensificação dos períodos de estiagem, as brigas se alastraram com mais força. A maior parte das denúncias feitas à polícia partem de pessoas que são prejudicadas pelas barragens ou poços irregulares. “Em várias ligações, os denunciantes informam que tentaram pedir aos vizinhos rio acima que não bloqueassem o fluxo de água, e não foram atendidos, o que promove um clima de acirramento em várias comunidades rurais”, diz a polícia.
Cruzando dados oficiais e depoimentos de autoridades ligadas ao Meio Ambiente, A GAZETA percorreu 2 mil quilômetros e chegou aos principais focos de tensão. Nessas áreas em disputa, a água virou o grande objeto de desejo. “Água é ouro. Tenho terra para molhar mas falta água. Então, não dá para produzir. Tenho financiamentos a pagar, mas, você sabe, o banco não perdoa”, lamenta Edgar Ferreira Costa, 42 anos. Morador do interior de Boa Esperança, uma das regiões mais castigadas pelas secas recentes, o produtor conseguiu, com muito custo, trazer uma máquina da prefeitura em sua propriedade. Escavou um pequeno poço, de 3 metros de profundidade e menos de 5 metros de largura. Uma bomba de irrigação foi instalada no local, mas não impediu que as flores do café secassem nos pés. “Sem ter como irrigar, morreu quase tudo”, conta Edgar, que agora cava com as próprias mãos, na expectativa de que brote um pouco mais de água do solo.

Esposa do produtor, Zilma Rodrigues Costa, de 33 anos, que além de dona de casa assume o papel de militante das causas da comunidade, diz que falta água até para beber. “Se eu ligar a bomba, em meia hora acaba tudo. Tem vezes que a gente passa a semana toda sem sequer poder lavar roupa e, para beber, tem que procurar os vizinhos”.
“O modelo atual de produção não se sustenta”, diz Clovis

Superbombas sugam rios, acabam com pesca e turismo

Quem costuma passar a temporada de verão no balneário de Guriri, em São Mateus, já percebeu que um dos principais pontos turísticos do município, o Rio Preto, simplesmente desapareceu. E a culpa não é da seca. Há mais de dez anos, moradores ribeirinhos e pescadores têm denunciado que a água está sendo sugada por indústrias e fazendeiros da região.
“Se acham donos da água, que é um bem de todos, por isso o rio tem ficado a maior parte do ano sem uma gota. As barragens e desvios impedem que a água corra. Já fizemos reuniões com vários órgãos, mas ninguém olha pela gente”, desabafa Walter Gomes dos Santos, ribeirinho de 68 anos, que há anos tem lutado em defesa do rio.
Situação parecida tem acontecido no São José, Itauninhas e Cricaré, todos no Norte do Espírito Santo. O uso sem controle na irrigação traz consequências graves principalmente para pescadores, ribeirinhos, pequenos produtores rurais e comunidades que vivem de turismo. Algumas superbombas trabalham 24 horas, de domingo a domingo, sugando até 3 milhões de litros por dia dos mananciais. Somente o Ministério Público já mandou lacrar, nesses três rios, mais de 70 pontos de captação por meio de bombas, o que tem ajudado a controlar a vazão.
Outras 28 bombas foram apreendidas em situação irregular, somente em outubro de 2015, pela Polícia Militar Ambiental. O conflito, nesses casos, põe em confronto o agronegócio, turismo e populações usuárias dos mananciais. Esse tipo de embate, apesar de constante na maior parte dos rios e córregos do Espírito Santo, ainda não tem merecido total atenção das autoridades, como queixam-se os ribeirinhos.
O próprio presidente do Fórum Capixaba de Comitês das Bacias, Élio de Castro, admite isso. “Quando a atividade agrícola é maior na parte alta no rio, há casos em que a vazão reduz muito, pois a irrigação suga toda a água. “Falta ‘perna’ para monitorar e controlar”, afirma. No caso do Rio Preto, os moradores contam que o leito tinha mais de dois metros de profundidade. “Fomos criados dentro do rio e agora ele está desse jeito, morto”, completa seu Walter, ao lado do filho.

"As barragens acabaram com nosso ponto turístico e com a autoestima do nosso lugar”
Walter Gomes, 68 anos mora às margens do Rio preto

Sertão Capixaba: 24 municípios passam por processe de desertificação

Areas SuscetiveisVegetação rasteira, solo rachado, poços de 20 metros de profundidade perfurados nos quintais das casas. O cenário lembra o interior nordestino do país, apesar de estarmos em Pinheiros, no extremo Norte, um dos 24 municípios do Espírito Santo que estão em situação de desertificação. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o “sertão capixaba” já abarca uma área de 16.679 quilômetros quadrados – equivalente a 36% de todo o território estadual -, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de muitas localidades também se assemelha ao de regiões mais pobres do Nordeste (abaixo de 0,500). São municípios vítimas da intensa devastação do solo e dos recursos hídricos e que passam ainda por severas mudanças climáticas. “Quando a região deixa de ser produtiva, tende a ser abandonada, ou usada pelo extrativismo, e começa a ter bolsões de pobreza. Uma coisa leva a outra”, explica o professor da Ufes, Fábio Ribeiro Pires, doutor em agronomia e especialista em conservação do solo e da água.
Em municípios como São Gabriel da Palha, os longos períodos de seca têm levado muitas famílias a deixarem o campo. “Quem tem dinheiro perfura o lençol freático. Quem não tem, fica sem irrigar e, por isso, não colhe. Nessa situação, que filho vai querer ficar no campo, se o dinheiro do produtor não dá nem para comprar uma moto para ele andar?”, critica o agricultor Jairo Donath, 48 anos, segurando um punhado de terra seca sobre o local onde tinha um reservatório de água, no Córrego Araras.
O Programa Nacional de Combate à Desertificação foi apresentado em 2005, revelando que Espírito Santo e Minas Gerais são os únicos Estados fora do Nordeste que têm áreas nessa situação. Naquela época, a substituição da vegetação natural por eucalipto, café e por imensas áreas de pastagens já era apontada como grande responsável pela desertificação no Estado, o que colocava em risco o futuro da agricultura e das comunidades rurais. “Os solos encontram-se muito degradados, em função da baixa utilização de medidas de proteção e de controle da erosão”, dizia, na época, o programa.
Desde então, pouco foi feito para reverter esse quadro, e o Espírito Santo já tem mais municípios sob risco de desertificação do que Estados como Rio Grande do Norte (3), Paraíba (11), Pernambuco (6), Alagoas (7) e Sergipe (14). Como essas áreas estão cada vez mais secas, os confrontos por água ficam mais intensos. Apenas Colatina, Nova Venécia e Rio Bananal contabilizaram, só em 2015, 124 ocorrências policiais envolvendo disputa por água. “O produtor tem que produzir, mas é preciso saber o que cultivar. Algumas culturas exigem muita água. Como não dá para todo mundo usar, isso gera muitas brigas”, afirma promotora de Justiça Vera Lúcia Murta, que atua há 14 anos em áreas de conflito.
Preocupado com o futuro das áreas em situação de desertificação, o professor da Ufes ressalta que as monoculturas praticadas incorretamente e o pastoreio excessivo diminuem a capacidade que a terra tem de filtrar a água. “Deixa o solo seco, duro, e a chuva escoa na superfície em forma de enxurrada, assoreando os córregos e arrastando os agroquímicos para os rios e oceanos. O problema não é retirar a cobertura florestal, mas sim praticar atividades agrícolas insustentáveis, que tiram a fertilidade do solo e desabastecem os lençóis”, destaca.
A maior parte dos municípios sob risco de virar deserto começou a ser desmatado já no final da década de 1920, após a construção da imponente ponte sobre o Rio Doce, em Colatina. Na época, o governador Florentino Avidos pretendia interligar os dois lados do Estado e levar o progresso à região mais ao Norte. E conseguiu. Nas décadas seguintes, a região foi totalmente ocupada por filhos de colonos que saíram do Sul do Estado, mas isso aconteceu às custas da destruição ambiental. Da floresta original, sobrou menos de 15%. A pequena Vila Rica, que ganhou esse nome devido à farta área de mata virgem encontrada pelos colonizadores, foi um desses locais afetados. Localizado em Vila Pavão, o vilarejo teve vegetação derrubada e, nas décadas seguintes, esse território foi substituído por imensas áreas exploradas pela mineração, pastagem e monoculturas. Nos últimos anos, o córrego que abastece a comunidade tem ficado tão seco que a prefeitura começou a cavar um poço profundo para abastecer a população, já que as irrigações sugam toda a água do manancial. A crise hídrica chegou ao extremo nos últimos meses de 2015, quando o córrego secou por completo e os 400 moradores passaram a ser abastecidos por caminhões-pipa, bancados pela prefeitura.
Quem mora na vila, hoje, percebe a eliminação quase completa das riquezas naturais. “A gente continua morando aqui porque é persistente, mas é difícil”, desabafa o comerciante David Pagung, de 46 anos. Com a redução das áreas agricultáveis, o fator migratório também atingiu o município. A prefeitura estima que Vila Pavão tenha perdido mais de 5 mil habitantes desde quando foi fundado, em 1992. Boa parte das famílias que deixou a região migrou para Rondônia, no Norte do país, quando o governo de lá começou a distribuir terras, também vislumbrando o povoamento. “O agricultor está impedido de irrigar e, por isso, não produz. Sem lucro, não movimenta o comércio, que é totalmente dependente do meio rural. Isso vira uma bola de neve. As pessoas vão embora do campo pois estão sem perspectivas”, completa Pagung.

http://especiais.gazetaonline.com.br/guerrapelaagua/http://especiais.gazetaonline.com.br/guerrapelaagua/
Por meio de nota, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente informou que vai contratar uma instituição especializada para a conclusão do Plano de Combate à Desertificação do Espírito Santo, iniciado em 2005. O estudo será feito por meio de recursos do Banco Mundial, via contrato assinado recentemente envolvendo o Programa Águas e Paisagens. O governo do Estado disse ainda que vem atuando no Norte e Noroeste do Espírito Santo com ações que visam “a minimizar os problemas”, por meio de ações como a ampliação da cobertura florestal.
"A nascente secou de vez há um ano. Temos força para trabalhar, mas sem água não dá para produzir"
Jairo Donath, 47 anos

A volta dos burros e ‘corotes’ nas comunidades rurais de Conceição da Barra e São Mateus

São 6 horas da manhã em Angelim III, uma das principais comunidades quilombolas de Conceição da Barra. Itelvina Santos prepara o café, põe o arreio no burro, chamado Canário, e sai em busca de água. Volta cinco horas depois, com uma pequena porção de água barrenta. Desde a implantação do Programa Luz Para Todos nas comunidades rurais no extremo Norte, em 2005, os burros e “corotes” (espécie de recipiente que armazena líquido) praticamente passaram a ser substituídos por bombas elétricas capazes de puxar água em córregos e poços distantes.
Mas esses dois elementos típicos de sertão voltaram à cena, nos últimos anos. Se antes a dificuldade era não contar com energia elétrica, hoje o que impede a água de chegar às torneiras é a construção sem controle de barragens e poços para alimentar grandes latifúndios. “Está tudo represado para molhar cana e eucalipto. Não sobra nada para o consumo”, lamenta Itelvina, que tem 69 anos.
Em municípios como Conceição da Barra, Pinheiros e São Mateus, muitas vezes a fonte mais próxima está a 3 ou 5 quilômetros de casa, o que torna necessário uma verdadeira peregrinação, de mais de 5 horas, sob um sol escaldante. “Basta uma pequena estiagem e já não temos água para puxar do poço nem de córregos. Às vezes, passo de 15 a 20 dias seguidos buscando água no lombo do burro. Ninguém quer ficar no campo porque não tem água para produzir. Dos meus oito filhos, apenas um resistiu”, lamenta Italvina.



Guerra pela água por GazetaOnline
Na comunidade, muitos moradores fazem questão de lembrar que antes faltava energia elétrica para puxar a água, agora falta água para a bomba puxar. “O lampião e o querosene deixaram de ser necessários. A energia chegou. Mas a maior conquista, que foi a água, agora não pode ser usada porque está poluída ou represada”, afirma Altiane Brandino, conhecido como Pipi, de 45 anos.
De acordo com o pesquisador da Ufes, Fábio Ribeiro Pires, São Mateus e Conceição da Barra têm uma ocorrência de chuva maior do que a média dos municípios em área sob risco de desertificação e, por esse motivo, não foram incluídos na lista. Fato que não torna menos grave a situação de mau uso do solo na região, completa o professor. “Onde a gente passa e vê pastagens com solo descoberto, com presença de erosão, é sinal de que pode se desertificar um dia”, completa o professor.

"Está tudo represado para molhar cana e eucalipto. Não sobra nada nada consumo"
Itelvina Santos, 69 anos

Milhões gastos com aluguel de carros-pipa

O preço da secaEnquanto boa parte dos municípios capixabas vira sertão, o meio rural sofre sem abastecimento e um terço do território do Estado já vive em situação de guerra hídrica, muitas empresas têm aproveitado para faturar milhões. Como não têm autorização para construir barragens, desvios de córregos, poços escavados e artesianos (que chegam a custar R$ 50 mil), muitas dessas empresas agem na clandestinidade, como já apurou a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh).
Nas cidades onde há desabastecimento, o aluguel de carros-pipa é o nicho que movimenta mais dinheiro. Checando portais de transparência e o Diário Oficial do Estado, A GAZETA constatou que municípios capixabas têm mantido contratos frequentes com empresas de locação desses carros. Em São Mateus, por exemplo, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) desembolsou R$ 740.521,80 em dois anos somente com aluguel de um carro-pipa. “Há várias comunidades no interior que não têm água. Então, temos um contrato permanente com um carro que atende escolas, unidades de saúde, creches. Se você pegar de uns 10 anos para cá, o Saae sempre teve um contrato com um carro permanente, que é para atender às comunidades do interior”, justifica o diretor da autarquia, Luis Carlos Sossai.

Frota

O veículo faz parte de uma pequena frota que passou a ser alugada pelo município em 2015. “Desde o ano passado, a gente precisou fazer mais contratos porque, com a seca, aumentou o número de comunidades que precisavam de água, e o único jeito de abastecer é com carros-pipa”, afirma Sossai.
O que se vê, entretanto, é que os caminhões não sanaram os problemas. A população continua tendo que comprar água de “pipeiros” (vendedores de água) ou recorrer aos córregos e bicas naturais.
Na vizinha Sooretama, que tem apenas 27 mil habitantes e uma arrecadação anual de R$ 64,4 milhões (2014), a prefeitura gasta, em média, por meio de quatro contratos, R$ 105 mil por mês com aluguel desses caminhões. Três empresas recebem R$ 15 mil por mês, cada, e uma quarta empresa fatura R$ 60 mil. Para justificar a diferença entre o valor pago a uma e outra empresa, a prefeitura mandou uma nota informando que houve um erro, “por desatenção”, no momento de publicar, no DIO-ES, o número de veículos contratados. “Em vez de um, são quatro”, informa o Executivo municipal, garantindo que, no dia seguinte (1º de março), iria publicar uma errata referente à publicação de 18 de dezembro (contrato Nº 00146/2015, que foi renovado, em 19 de fevereiro, também com o valor de R$ 60 mil mensais).
A prefeitura informou que essas medidas são emergenciais, “para que os impactos produzidos pela estiagem sejam amenizados até a conclusão da obra da Unidade de Captação, Tratamento e Distribuição de Água da Lagoa Juparanã”.
No caso de São Mateus, mais de R$ 1 milhão foram pagos a uma única empresa nos últimos dois anos. O dinheiro daria para comprar pelo menos cinco caminhões novos, tendo como base uma licitação da Secretaria de Estado Agricultura (Seag) que, em 2015, pagou, em média, R$ 187 mil por veículo similar.
Fabio dos Santos e o filho, Diego Samuel, sem água em casa

O diretor do Saae de São Mateus, no entanto, justifica: “A gente poderia realmente ter comprado um carro. Não sei quanto custa um carro. Uns R$ 700 mil? Esse caminhão (que a locação custou R$ 740,5 mil em 2 anos) transporta 20 mil litros, com motorista e combustível (incluídos no contrato). Se colocar isso tudo na ponta do lápis, de fato, o aluguel acabou ficando caro, mas foi licitado e valeu o menor preço”, diz.
Em dois contratos firmados em São Mateus, além de pagar R$ 224 mil pelo aluguel de 8 caminhões por quatro meses, o município desembolsou R$ 149.783 para bancar o combustível necessário para abastecer os carros. Apesar de a prefeitura alegar, por meio de nota, que a responsabilidade dos gastos é do Saae, a autarquia diz que alguns contratos foram negociados pelo próprio executivo municipal. “A prefeitura repassou o recurso, que foram contratos que o prefeito discutiu diretamente lá (com a empresa), e repassou o recurso para o Saae contratar. Nesse caso, foi colocado combustível porque foi um contrato específico”, alega Sossai.
Nos últimos dois anos, boa parte dos gastos de aluguéis firmados com as prefeituras aconteceu sem licitação, já que a lei abre essa brecha para os municípios que decretam estado de emergência. Essa é, inclusive, um justificativa para que existam oscilações bruscas nos preços, que chegam a saltar quatro vezes de um contrato para o outro ou de uma empresa para outra.
No final de 2015, o desabastecimento em São Mateus chegou ao extremo. O Rio Cricaré perdeu força, devido à estiagem e ao uso indiscriminado das irrigações, o que fez com que o mar invadisse o rio por mais de 20 quilômetros. A cidade recebeu água salgada nas torneiras por quase três meses. Em busca de uma alternativa de captação, a prefeitura já gastou mais de R$ 300 mil perfurando poços no bairro Porto. Com as chuvas recentes em Minas Gerais, o volume do rio voltou a subir, mas populações do campo e da cidade continuam vivendo com as torneiras secas. Na região central, o desespero é tamanho que os moradores disputam lugar na fila para encher baldes e frascos com água de ‘biquinhas’ do Porto Histórico. Para evitar confusão, uma pichação no tapume avisa: “Após pegar cinco galões, passar a vez para o próximo”.
Seguindo essas instruções, a cabeleireira Maria Aparecida Viana, que mora a 12 quilômetros de distância, em Guriri, recorre à bica. “A água está chegando barrenta nas casas. Para lavar vasilhas, dá. Para beber e cozinhar, não dá”, reclama ela, que tem 41 anos. Para ajudar a encher os galões de 20 litros, a aposentada Aldinez Barbosa dos Santos, de 78 anos, leva o neto Vitor, de 11 anos. “Tem que implorar para Deus, porque, pelas autoridades, nunca chega água boa”, diz. Outra queixa dos moradores é o alto preço cobrado pelo produto no “atacado”. Num condomínio do Minha Casa Minha Vida, recém inaugurado no bairro Litorâneo, cerca de mil famílias nunca contaram com abastecimento regular e, por isso, precisam recorrer aos pipeiros. “Já são mais de três meses sem cair uma gota na torneira. Muita gente se mudou daqui por isso”, lamenta a moradora Sandra de Jesus, de 38 anos.
O bairro é um dos locais onde o Saae afirma abastecer com os pipas alugados. Indignados, os moradores prometem fazer barricadas nas vias públicas para cobrar mais agilidade do município. “Quando a água chega, demora uns 10 minutos e acaba. Todo mundo quer pegar sua parte logo. A água é de quem chega primeiro”, afirma o auxiliar de obras Fábio dos Santos, 23 anos. Presidente da Bacia Hidrográfica do Rio São Mateus, Arilson da Luz Mendes alerta que o mau uso dos recursos hídricos agrava os problemas de abastecimento nos períodos de seca. “Falta consciência por parte dos diferentes setores. As pessoas acham que são donas da água e estão enganadas. A maior obra que precisa ser feita é na cabeça das pessoas”.
Aldinez Barbosa conta com a ajuda do neto Vitor para pegar água na bica, em São Mateus Fábio dos Santos e o filho, Diego Samuel: sem água em casa.

Guerra da Água - Personagem 6 por GazetaOnline
Fabio dos Santos e o filho, Diego Samuel, sem água em casa

Guerra da Água - Personagem 8 por GazetaOnline

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